Pode-se entender que a propriedade é fenômeno espontâneo, decorrente da necessidade de subsistência do ser humano, sendo posteriormente regulado, a fim de possibilitar a convivência social pacífica.[1]
Partem-se os estudos da propriedade antes do direito romano, sabendo-se que existiram povos que nunca chegaram a instituir a propriedade privada entre si e outros que também demoraram muito para a instituírem.
Ao longo da evolução histórica, a concepção de propriedade passou por profundas modificações, representada pelo entendimento desse instituto nas regras jurídicas do Direito Romano, do Direito Medieval, do Direito Moderno e da Revolução Francesa, até chegar ao Direito Contemporâneo.
Vinculada ao divino na antiguidade, a propriedade inicialmente apresentava-se em feição coletiva, dada a prevalência da comunidade sobre o indivíduo nas sociedades primitivas. A comunidade predominava sobre o indivíduo, com isto a terra pertencia ao grupo todo.
A propriedade coletiva das comunidades gentílicas foi a forma de propriedade que predominou nas antigas civilizações. No Egito, Síria e Mesopotâmia, as comunidades gentílicas estavam organizadas basicamente em grupos familiares, clãs e tribos,(...).[2]
Conforme muito bem descreve Coulange em sua obra clássica[3], os tártaros não admitiam a propriedade do solo, mas sim a dos rebanhos. Para os antigos semíticos, eslavos e povos germanos, a terra não pertencia a ninguém, havia uma partilha anual dos campos, ou seja, o costume era de que a cada ano, a tribo indicava para seus membros um lote de terra a ser cultivado, lote que no ano seguinte era trocado por outro, então, o germano só era proprietário da sua colheita, mas não da terra.
Diversamente, desde os mais remotos tempos, as populações da Itália e da Grécia já entendiam a propriedade privada do solo. Enquanto os povos tártaros e germanos tinham a propriedade do fruto de seu trabalho, mas nunca do solo, Para os gregos e italianos a terra valia mais do que a colheita.
Desde a mais longínqua antiguidade nas sociedades grega e italiana já se encontrava estabelecida a propriedade, juntamente com a família e a religião, como os três institutos determinantes da sociedade local.
A propriedade na antiguidade era sagrada, era o culto que constituía o vínculo unificador de toda e qualquer sociedade daquela época. Nessa época a crença era que os mortos permaneciam de certa forma ligados às condições terrenas.
(...) as crenças tiveram papel fundamental na determinação das leis, das instituições, ou ainda que a nossa inteligência modifica-se século após século, sendo que “esta está sempre evoluindo, quase sempre em progresso e, por este motivo, nossas instituições e nossas leis estão sujeitas a flutuações da inteligência humana”. [4]
Cultuavam seus antepassados mortos e com isso criavam uma religião essencialmente doméstica, que era hereditária. Segundo suas crenças, com a morte as pessoas passavam a ter uma segunda existência, junto e ao lado dos vivos; e que os corpos e a alma continuavam unidos após a morte. Cada família tinha os seus próprios deuses, adorados apenas por ela, ou seja, os deuses de uma família eram diferentes dos deuses das outras, e os deuses dessa família só a ela protegiam. As famílias eram compostas por duas a três mil pessoas.
Devido a essa crença o homem aprendeu a apropriar-se da terra, assegurando seu direito sobre a mesma.
Há também o vínculo entre a religião dos antigos e a propriedade da terra devido aos cemitérios familiares, ou seja, eram sepultados nas próprias terras os corpos dos antepassados, de forma que cada família tinha seu próprio cemitério. Temos com isso a ritualização com as oferendas e o culto permanente dos mortos familiares.
Nas sociedades grega e romana havia três coisas fundamentais: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade. Coisas bem parecidas e inseparáveis entre si na época. E a religião doméstica estava ligada a um espaço territorial, tornando a propriedade em inalienável. Não foram as leis que garantiram o direito de propriedade, mas sim, a religião.
A propriedade, assim, por estar ligada diretamente ao lar e à religião, era identificada com a faculdade de se fazer o que se quisesse com a coisa, sem limites. Até então, dada essa característica divina, o direito de propriedade estava acima de tudo e grande era sua inviolabilidade.
A comunidade política tipo gentílica transformou-se em comunidade política territorial, nascendo com isso o Estado. Nessa mudança há uma inversão de privilégio jurídico do indivíduo sobre a coletividade, tornado esse o centro referencial. É nessa etapa que também se estabelece a divisão entre a propriedade privada e a propriedade pública. As crenças tiveram papel fundamental na determinação das leis e das instituições. [5]
Apenas com a chegada do cristianismo é que a inviolabilidade cessou, então a propriedade deixou de ser o único lugar onde se encontravam os deuses para se ter um único Deus que estava em todos os lugares. A partir de então, a propriedade pôde ser alienada.
Na Idade Média, as noções de propriedade passam por uma redefinição, apresentando um conceito mais limitado, se comparado com o direito romano. Porém, adotam o exclusivismo e introduzem uma superposição de títulos de domínio, conforme se percebe da seguinte leitura:
(...) a valorização do solo e a estreita dependência entre o poder político e a propriedade de terras criaram uma identificação entre o tema da soberania e da propriedade, pois distinguem-se o domínio direto da propriedade, que é do senhor feudal, e o domínio útil do vassalo. Em outras palavras, havia uma delegação de poderes do suserano ao vassalo e a criação de certas obrigações de caráter financeiro e militar do vassalo em relação ao suserano. [6]
Antes, o lar era sagrado, assim a propriedade da família ficava sob as ordens do chefe da comunidade familiar e nenhum estranho podia nela ingressar sem o consentimento desse chefe, que tinha poderes ilimitados.
(...) O núcleo essencial da propriedade, em toda a evolução do Direito privado ocidental, sempre foi o de um poder jurídico soberano e exclusivo de um sujeito de direito sobre uma coisa determinada. No Direito romano arcaico, este poder fazia parte das prerrogativas do paterfamilias sobre o conjunto dos escravos e bens (familia pecuniaque), que compunham o grupo familiar. Prerrogativas soberanas, porque absolutas e ilimitadas, imunes a qualquer encargo, público ou privado, e de origem sagrada, por força de sua vinculação com o deus-lar. [7]
Conforme ensina Bobbio, os direitos do homem são direitos históricos que nascem e se modificam de acordo com as condições históricas e com o contexto social, político e jurídico em que se inserem[8].
A propriedade, como direito do homem, modificou-se e evoluiu com a evolução do próprio homem e da organização social por ele criada, podendo ser considerada como o núcleo de muitas destas etapas de evolução.
Já em 322 a.C. Aristóteles considerava a propriedade como condição essencial ao cidadão ao afirmar que “as propriedades devem pertencer aos cidadãos.” [9]
No entendimento de Aristóteles, a propriedade reunia as características da propriedade privada e da comum, ou seja, o domínio era privado, mas o uso que dela se fazia devia ser entendido como se fosse comum. Portanto, a propriedade privada para Aristóteles tinha uma destinação comum, devendo ajustar-se aos interesses da comunidade, num meio termo entre o público e o privado.
A concepção de escravidão para a época não era politicamente incorreta e sim correta já que para o homem, os mais fracos deveriam trabalhar na propriedade, para a prosperidade da própria cidade e do economicamente mais forte.
A escravidão trouxe ao homem proprietário uma força maior de trabalho. Com esta concepção os mais fracos foram capturados e se tornaram escravos do homem e da propriedade.
O homem começou a plantar para sobreviver, para poder viver em sociedade e morar em local digno, sobre o solo, que nada mais é que a propriedade, devendo ser adquirida de forma digna e honesta.
Com a aquisição de propriedades por homens e por grupos de homens, foram se formando vilarejos onde também havia diferentes posições de poder.
[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[2] WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do direito. p. 157.
[3] COULANGE, Fustel de. A cidade antiga, p. 49-50.
[4] WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do direito. p. 158.
[5] WOLKMER, Antonio Carlos. Op. Cit. p. 161.
[6] COMPARATO, Fábio Konder. Direitos Humanos: direitos e deveres fundamentais em matéria
[7] COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit. Art. 11.
[8] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 05.
[9] ARISTÓTELES. A política, p. 85.